Entrevista: Fernando Nerbass, primeiro aluno surdo do Campus São José PDF Imprimir E-mail
Escrito por Jornalismo   
Qui, 16 de Abril de 2009 13:09
No próximo dia 23, quinta-feira, é comemorado o Dia Nacional da Educação de Surdos, área na qual o IF-SC tem se dedicado há duas décadas, tornando-se referência entre as instituições da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica. Em 1988, o recém-criado curso técnico em Refrigeração e Condicionamento de Ar do Campus São José recebeu seu primeiro aluno surdo, Fernando Ranzolin Nerbass, que concedeu entrevista ao Link Digital nesta semana.

Foi com Fernando Nerbass que começou o trabalho de auxílio aos alunos surdos no Campus São José, que resultou mais tarde na criação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação de Surdos (Nepes) e em cursos específicos para os surdos. Atualmente com 37 anos, Nerbass mora em Florianópolis e trabalha na área de decoração. Na entrevista abaixo, ele conta como superou muitas dificuldades durante o curso e como foi sua relação com o mercado de trabalho desde o curso técnico até hoje.

Link Digital - Por que você se interessou em fazer o curso de Refrigeração e Condicionamento de Ar em 1988?
Fernando Nerbass - Na época eu tinha recém terminado a oitava série. Então meus pais ficaram sabendo que iam abrir dois cursos novos da Escola Técnica [IF-SC] em São José, um de Telecomunicações e outro de Refrigeração e Ar Condicionado. Só que uma das preocupações dos meus pais era com a dificuldade da prova de seleção, já que na Escola Técnica do Centro [Campus Florianópolis] havia questões de geografia, história, essas coisas. E eu sou melhor em matemática, física. Felizmente, para os cursos novos em São José a prova era só de português e matemática. Então me candidatei ao curso de Refrigeração, até porque eu ia ter muito mais dificuldade se tentasse o curso de Telecomunicações, já que sou surdo. Estudei sozinho e passei na prova.

LD - E quais foram as maiores dificuldades durante o curso?
FN - Como era a primeira turma do curso, não tinha nenhum equipamento. As disciplinas no primeiro ano foram iguais às de um ensino médio normal. Inclusive, o primeiro ano foi numa casinha, e não onde hoje funciona a escola [Campus São José]. Mas além da falta de equipamentos, que foi melhorando aos poucos, eu tinha dificuldade em acompanhar algumas disciplinas, principalmente as técnicas. Eu funciono assim: tem que me mostrar a coisa na prática pra depois eu entender a teoria, ler um livro e compreender o que ele diz. Se não for assim, eu quase não consigo entender o significado das palavras do livro. Hoje com os computadores e a internet está muito mais fácil. Mas eu também tive ajuda de vários amigos e alguns professores.

LD - Quem te ajudava a acompanhar as aulas?
FN - Principalmente meus amigos. No início do curso eu tinha dois colegas [ouvintes] que me ajudavam bastante, mas depois eles desistiram das aulas. Depois tive mais uma amiga que ajudava, mas na verdade eu era apaixonado por ela e ela não ajudava muito no estudo. Depois tive mais alguns amigos que conseguiam ajudar. Mesmo assim eu cheguei a rodar. A situação melhorou quando entrou o Fábio [o segundo aluno surdo a ingressar no Campus São José] e aí os professores começaram a lidar melhor com o fato de ter alunos surdos na aula.

LD - Em quanto tempo concluiu o curso em São José?
FN - Em cinco anos. Alguns professores achavam que eu precisava melhorar em algumas disciplinas técnicas. Na escola [Campus São José] tem a placa com os nomes dos alunos da primeira turma de Refrigeração e Ar Condicionado, mas eu não estou nela. Fiquei triste por causa disso. Mas depois concluí o curso.

LD - Você fez outros cursos depois?
FN - Sim. Fiz cursos de libras, de datilografia e um curso de Pedagogia, que era pra surdos darem aulas para outros surdos. Era um curso oferecido em parceria pela escola [IF-SC] e a Udesc, mas eu cursei apenas dois anos e não concluí.

LD - Depois de formado, conseguiu colocação no mercado de trabalho?
FN - Logo depois que me formei, me candidatei a uma vaga na área de refrigeração na Macedo, em São José. Cheguei até a fazer a entrevista. Mas na mesma semana em que eu estava para receber a resposta da Macedo, o meu primo estava abrindo uma loja de ferramentas aqui em Florianópolis. Ele ligou e ofereceu uma vaga no setor de vendas, e eu aceitei. Fiquei muito feliz com a proposta dele. E eu era muito bom, vendia mais que os outros vendedores. Só saí de lá alguns anos depois, quando ele precisou fechar a loja.

LD - E onde mais você trabalhou?
FN - Durante o curso de RAC, eu fiz estágios na Celesc, na Perdigão e também na própria escola [Campus São José]. Depois trabalhei na loja do meu primo. Quando ele fechou, fiquei triste. Mas em seguida uma tia me convidou para ajudar ela na loja de decoração dela em Lages. Fui pra lá e aprendi a ser instalador, colocando sancas, frisos, papéis de parede, esse tipo de instalação na área de decoração. Depois voltei para Florianópolis e continuei com esse trabalho. Já sou instalador há 10 anos e faço serviço para diversas lojas.

LD - Você continuou acompanhando o trabalho do IF-SC com educação de surdos?
FN - Meus pais participam ainda de algumas reuniões de pais e professores em São José. Às vezes vou com eles.

LD - Você acha que as coisas seriam mais fáceis hoje, pois há uma estrutura melhor na instituição e leis que facilitam o acesso dos surdos ao mercado de trabalho?
FN - Sim. Hoje a escola está bem melhor, tem equipamentos para as aulas. A internet e a possibilidade de busca por imagens também facilitam o aprendizado. As leis também facilitam o acesso ao mercado de trabalho. Quando eu me candidatava a uma vaga de trabalho, sempre concorria com três ou quatro candidatos que eram ouvintes, e as empresas normalmente optam por alguém que não tem a dificuldade de comunicação que eu tenho.

LD - Acha que valeu a pena ter estudado na antiga ETF-SC, hoje IF-SC?
FN - Claro! A escola foi muito boa para mim. Mesmo não trabalhando na área, aprendi bastante e fiz ótimas amizades, com colegas e professores.

LD - E quais são seus planos profissionais para o futuro?
FN - Gosto muito do que faço e quero continuar a trabalhar com essa parte de decoração. É um trabalho bom e no qual eu tenho facilidade, porque exige mais da questão manual e a surdez não atrapalha. Tudo que mexe mais com o tato é mais fácil e melhor pra eu fazer. Sou bom em colocar e consertar as coisas. Quem sabe ainda faço uma faculdade de mecânica, ou arquitetura.

LD - Para terminar, que conselho você daria para surdos que querem estudar e entrar no mercado de trabalho?
FN - O surdo tem que mexer mais com atividades de tato, de conserto, coisas manuais. Eu acho que essas são áreas muito boas para estudar, trabalhar e começar a buscar oportunidades. Hoje, como autônomo, eu faço serviço para umas 20 lojas, fora arquitetos e decoradores com quem eu também trabalho de vez em quando.
Última atualização ( Ter, 21 de Abril de 2009 14:16 )
 
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